quarta-feira, 23 de abril de 2014

Colaboração especial

Sempre digo a mesma coisa quando volto de viagem pelo Aeroporto de Guarulhos: retornar, de qualquer lugar que seja, e cair na Marginal do Tietê, é pra acabar com o ânimo de qualquer um. O visual, o cheiro desagradável, o cinza que engole a cidade... E claro, de brinde, aquele trânsito de 1h30, no mínimo. São Paulo poderia oferecer uma melhor recepção.

Engrenar na doida rotina, do mar de carros, da cidade poluída, leva dias, semanas... Às vezes a engrenagem simplesmente não volta a funcionar.

Aterrissando em terras paulistanas, lembrei de um texto lindo que li pouco antes das férias, de uma amiga muito querida. Era pra eu ter postado antes, acabei me enrolando... Mas foi providencial, meio que como destino, que ele deixasse pra ser postado agora. 

Com as devidas autorizações da autora, estreio aqui no blog algo que queria fazer desde o início: agregar experiências, chamar pessoas bacanas para dar relatos da cidade, contar de seus cantinhos preferidos, de suas impressões da pauliceia desvairada. São Paulo é muito grande, complexa e cheia de possibilidades, para uma única só pessoa explorar.

Por Bell Gama:

"Para uma menina que estava acostumada a pegar apenas o ônibus Jardim Irajá na esquina de casa, ir para o inglês no centro de Ribeirão Preto e voltar, São Paulo tinha tudo para ser assustadora.
Quando se mora no interior pouco se assusta. Você conhece as pessoas, a cidade, que horas o vizinho chega em casa, quem é a melhor doceira da cidade, onde comprar o uniforme da escola e quem traz coisas do Paraguai.
Cheguei em São Paulo em 1998. Eu não achava, mas era uma adolescente. São Paulo me fez mulher. Aqui trabalho, me apaixonei, desapaixonei. Aqui comprei minha casa e fiz meus amigos. Daqui fui para o mundo e voltei e vou e volto ainda repetidas vezes.
Hoje acordei às 8 horas da manhã para atravessar 11 quilômetros em uma hora. Tempo até que bom para uma sexta-feira. Antes de pegar a alça para a Avenida 23 de maio, me deparei mais uma vez com o mural dos Gêmeos, Nina e Nunca. Tirei uma foto, postei no Instagram.
A imagem do mural que vi tantas vezes ficou rondando a minha cabeça e me fez alugar o filme “Cidade Cinza” que conta a história de quando o mural foi apagado em 2008. Escrevo esse texto ainda com os créditos do filme subindo em minha tela. Ele conta brilhantemente a luta da arte contra o concreto.
Quando me mudei para São Paulo recebi muitas recomendações. Diziam-me que eu seria assaltada, que não poderia andar sozinha, que pegar transporte público era impossível e que criar uma família em São Paulo era uma coisa de louco.
Mas no meio de tanta contra-indicação me encontrei. Todos os dias, olho para a minha janela que dá de frente para tantas outras janelinhas e vejo vida. Ouço crianças rindo, cachorros latindo, o cara do sorvete que passa assobiando todo dia às 5 horas, tem o sino da igreja e lá no fundo ouço um barulho da televisão de alguém. Não estou sozinha.
Não sei se eu mudei ou se foi a cidade. Não sei se São Paulo está mais corajosa ou eu. Mas nos últimos tempos, desde que decidi vender meu carro e comprar um CEP, assumi São Paulo para mim. Participei de manifestações, vou a eventos gratuitos, promovo junto com amigos um bloco de carnaval, as feiras de rua viraram um dos meus programas preferidos e privilegio todos os shows de rua possíveis. Engoli o medo e parei de chamar o meu vizinho, o “Minhocão” de “Faixa de Gaza”. Calcei os tênis e o tomei como minha pista de corrida. Todas as noites, divido o espaço com alguns mendigos mas também com outros tantos paulistanos que encaram o centrão às 9h30 da noite. Em algum momento decidi: ou São Paulo é minha ou é do medo.
Ao assistir “Cidade Cinza”, percebi que os grafiteiros fazem o mesmo há muito mais tempo. Mesmo tendo sua obra de arte de mais de 700 m2 e tantas outras apagadas por uma horrorosa tinta cinza, eles continuam, refazem, repintam e marcam permanentemente essa cidade que faz de tudo para ser bonita. Fiquei triste ao ver a politicagem em torno do mural. Enquanto o Sr. Kassab pousava para fotos e um bispo que não sei porque estava no filme “benzia” o mural e tantos outros secretários faziam cena, os artistas ficaram ao fundo.
Na minha São Paulo eles estão na frente, protagonistas, e agradeço todos os dias por enfeitarem meu caminho."





Agradecimentos à querida Bell: obrigada por compartilhar suas experiências nesta louca cidade, que me deu de presente o prazer de te conhecer!


Nenhum comentário:

Postar um comentário